quinta-feira, fevereiro 23, 2006

De graça

A língua portuguesa ["não existe língua sem adjetivo"] é uma de várias línguas portuguesas. É dessa mistura que nasce uma padronização, pois há de se tornar uma delas a oficial, não dizendo, em antemão, que os outros "portugueses" estejam incorretos.

O dia ameno, uma poça no chão e uma família na rua: três, o número sagrado, começou por narrar a estrutura piramidal do meu acordar. Das menores, a criança bebia a água da poça e a maior brincava com algum metal. Quando se lê o direito civil, fica-se mais ainda indignado. Antes não existisse, valesse como sempre valeu, a lei dos mais fortes em suma, sem supressão ou hipocrisia congênita social. O moleque do meio, remelento, com uma coriza incessante e um olhar triste chupava chupeta. A alcinha branca, os olhinhos lacrimejantes de quem jamais terá uma vida melhor do que a pior de muitos. É valido um depoimento. Sempre é válido. Pois parece ser que o narrador conta a vida de quem mora perto, ao lado. Estamos enfadados de ver tanto joão ninguém e tantas maria-vai-com-as-outras pelas esquinas, que uma das histórias já não passa a ser individual. Enquanto vemos que o acaso foi amável conosco, encerramos as pálpebras e falamos de constituição, dos direitos que são nossos e tapamos conseguintes buracos no asfalto, transitamos em paz com as árvores podadas e sorrisos falsos e gratuitos que são distribuídos sempre que entramos em alguma dessas grandes conveniências. Tá, é lógico! Eu também fui acolhido pelo acaso e o que fiz foi unicamente um texto pra dizer como me dói tanta coisa de graça nessa vida que não vale nem a pena aceitar...